domingo, 8 de agosto de 2010

À toa

Abriu a porta do carro, e depois de apoiar o primeiro pé no chão parou. De repente lembrou de uma certa vez em que chegou àquele lugar. E lembrou o quanto dessa "certa vez" em diante sua vida havia mudado. Mudara para melhor? Talvez... A poesia mudou. A fantasia mudou. O tesão. A freqüência com que ela fugia das coisas. Muita coisa havia mudado. Mas essencialmente ela permanecia intacta. Era a mesma. Mesmo sabendo que nunca somos os mesmos. E voltar àquele lugar, justamente naquele dia, era um risco. Dos melhores. Dos piores também. Ela não havia pensado na hipótese de se ver diante de si novamente. Não poderia beber. Estava preocupada com a saúde. Não tinha um plano.

Desceu. Abraçou as pessoas. Sorriu com ar de "à toa". Sentou-se num cantinho. Bateu papo. Jogou muita conversa fora. Deu conselhos. Recebeu alguns ensejos. Sentiu-se atraída por alguns olhos passantes. E de repente à sua frente surge no ar o sorriso. Saltitante e surpreso. Recebeu um abraço. Contemplou àquela mesma expressão desprendida. A mesma que havia mudado a sua vida em uma outra visita àquele mesmo lugar.

E aquele mesmo olhar. Cortante. Fugidio. Se desfazendo feito fumaça pelo ar. Aquela mesma sensação escorregadia. Daquilo que não fica nas mãos, mas passa entre os dedos... escorrendo líquido, gasoso. Fez algum sentido. Olhou nos olhos. Fugiu. Fingiu. Sorriu. Tocou os cabelos. Sentiu o cheiro. Ressequiu.

Despediu-se. Tornou a sentar. Continuou a conversar. E agora o que faria sentido? Não via viço no assunto da conversa. Tudo parecia um passado distante. Uma presença insignificante. Tudo se dispunha a transportar-se dali. A conversa fluía como uma poesia cubista. Ensaiada e cantarolada pelo coro de um coral de mudos haitianos nus.

A hora de partir chegou. Perdeu de vista a inspiração dos dias. O horário apertou. As companhias foram se mobilizando para sair. Ela também seguiu. Sem se despedir e sentindo aquela velha sensação de espera. Tão enclausurante quanto a falta de possibilidades. A esperança era também um vício seu. Dos piores. Dos mais débeis.  Ela ensaiou um motivo. Mas ficou como estava. Onde estava. E não esteve mais. Não se despediu. Não se despediu. Pediu.

Agora ela pensa. E não compreende ao certo o que de fato à move ou sentencia. Porque não falar?

E no meio de uma conversa ébria na noite seguinte fora de um bar ela falou:

- Sempre a primeira a chegar, a que mais se demora, mas a que sempre fica para depois.

Embebedou-se naquele dia. De salivas. De esquivas. De contenção. E álcool. Acordou vestida. Ao lado de uma amiga, na casa de uma estranha (amiga da amiga) e com uma sensação de vazio. Que de tão imponente naquele dia fez-se necessária.

A sensação de vazio às vezes restabelece a razão.

Um comentário:

Freire.... disse...

vestida de que?
roupas, palavras, insultos, murmúrios, pensamentos ébrios?!