quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Alteridade (III) - O feminicídio das Eloá’s

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O feminicídio das Eloá’s
o espetáculo da mídia e a sociedade que queremos

Eloá, a moça assassinada recentemente ao vivo em Santo André - SP, é mais uma vítima do modelo de sociedade que temos atualmente, e tudo o que ressoa em torno do fato é a mídia! A polícia falhou? O estado? Os pais? O namorado? Falhamos todos/as nós.

Estamos diante de mais um sintoma da doença moral que vive a sociedade como um todo. Poderíamos avaliar grosso modo assim: o namorado possessivo que se apropria da vida da mulher, impondo-lhe obediência e submissão, e a moça que sede a ponto de ser assassinada. Mas não é tão simples.

Na sociedade patriarcal nada é tão claro o quanto parece. Mulheres e homens desde a mais tenra infância são "educados/as", moldados/as, informados/as de maneira a ver o/a outro/a como propriedade e fonte de sua satisfação. Quando o/a outro/a não sede parte-se para a violência seja física ou psicológica.

Quando esse/a outro/a é uma mulher...

Historicamente a mulher é colocada na sociedade como “o outro” referente aos homens. Isso é um fato que muitas vezes passa despercebido às nossas analises. Por mais que este assunto venha sendo cada vez mais discutido e reivindicado ainda é notório o quanto persiste o modelo de sociedade onde o homem/macho é o centro das relações sociais. ¹

O fato que acima citei, o caso da Eloá, é apenas um exemplo dentre muitos outros de como essa situação de reprodução de um modelo de sociedade que usurpa a nossa liberdade de sentir e refletir é um fator determinante nos acontecimentos cotidianos. Pois, diante da situação que se tinha, de um crime passional, seqüestro seguido de assassinato, fruto de um relacionamento pautado em uma suposta apropriação da subjetividade de uma em função da obsessão do outro, é possível perceber que os apelos midiáticos e da sociedade de consumo (que vê nas pessoas meras mercadorias de satisfação imediata) acabam prevalecendo.

Todos os holofotes dos interesses políticos e econômicos dos fatos foram para o indivíduo central: o 'criminoso'. A 'vítima' ficou em segundo plano. Mas o que de fato existia por detrás de tudo isso? Quem de fato se beneficiou com toda a publicidade do fato em si? Ora, política – sociedade – economia é um tripé que não se separa. No sistema capitalista (mesmo em decadência) esse tripé determina, direta ou indiretamente, o desfecho das histórias mais banais e cotidianas. O assassinato de mais uma mulher sendo televisionado e o marketing da violência é uma ótima arma para aumentar a audiência dos detentores da mídia e é também, levando-se em consideração a fome de violência que habita em cada um de nós, um entretenimento para que não nos atentemos ás nossas próprias situações extremas.

Para que pensar a própria existência e a existência do/a outro/a, como singularidades cheias de nuances e facetas, se a existência de um ente unilateral, desconhecido e bem mais intimo de mim que eu mesmo, é absolutizada todos os dias na ‘telinha’, nos outdoor’s ou na internet e etc?

A mídia, e todo o jogo de interesses que há por trás dela, não quer, nem deve (não é dela esse papel), formar indivíduos conscientes e capazes de refletir autonomamente. A mídia quer pessoas que apenas discorde ou concorde, principalmente concorde, com as suas opiniões limitadas. E nesse público que a assiste, observa e reproduz temos como maioria mulheres jovens como o seguimento social mais afetado emocionalmente e intelectualmente pelos apelos das propagandas e publicidades para consumidores/as.

Enquanto a violência, nas suas diversas formas, servir de alicerce para sustentar as sutilezas do tripé política – sociedade – economia, estaremos diante de aberrações como esta dos últimos dias, onde uma vida vale menos que uma chamada trágica na tv. E enquanto as mulheres, como seguimento social, estiverem vitimadas em situações como esta, teremos ainda muito que refletir sobre o modelo de sociedade que queremos. E enquanto nós, independentes de sexo, raça ou orientação sexual, não estivermos dispostos a mudar os rumos dessa sociedade, não passaremos de meros/as (tel)espectadores/as em um ‘circo’ de valores velhos cheio de apelos novos e inéditos!


Ediane Soares


¹Aqui já posso abrir brecha para que não entendamos o homem apenas como a pessoa do sexo masculino, mas como todo elemento social que espelhe o patriarcado e machismo.



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2 comentários:

Anônimo disse...

Esse seu texto me lembra quando Paulo Freire, em Pedagogia da Autonomia, diz: "Talvez seja melhor contar de um até dez antes de fazer a afirmação categórica a que Wright Mills* se refere: 'É verdade, ouvi no noticiário das vinte horas'."

*Mills,Wright. A Elite do poder.

Lipim disse...

Faço das suas as minhas.
As pessoas se escandalizam com os fatos.
Deveriam se escandalizar com suas próprias atitudes também.