quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Suicídio e Alteridade

Nesses últimos dias recebi notícia de três suicídios ocorridos nas últimas semanas. Eram pessoas próximas a outras pessoas que eu conheço, e os três, jovens entre 20 e 30 anos, eram homens e tinham alguma habilidade artística ou intelectual. Fiquei muito sensibilizada com isso, cheguei a me entristecer um pouco, mas o que, de fato, me intriga é a inquietação filosófica que esse tema me traz.

O suicídio é, sem dúvidas, uma das questões filosóficas mais complexas e intrigantes. No Mito de Sísifo, Camus, começa dizendo "Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia." E a questão fundamental da filosofia é a vida. E todas os outros temas são apenas ramificações desse tema. Umas dessas ramificações é a questão "do outro" ou da alteridade. Falar da vida é levar em consideração a coletividade que  ela pressupõe. Todas as espécie viventes, vivem na coletividade, direta ou indiretamente. A natureza, o meio ambiente, o universo, o cosmo e etc, são espaços de plena coletividade, e, historicamente fazem parte das investigações filosóficas de vários pensadores das mais diferentes épocas e correntes.

O tema da morte e da alteridade não são normalmente associados. Porém, quando falamos da morte pelo ato de suicídio, então muitas questões surgem e uma questão central é a da solidão. Entendemos por solidão o sentimento extremado de individuação, seja por opção ou por conseqüência das questões existenciais mais intimas de uma pessoa. A solidão pressupõe a existência de um convívio social anterior a ela. Aponta também a negação, não necessariamente voluntária e consciente, desse convívio.

As causas que levam uma pessoa a saltar da solidão à morte são desconhecidas e por demais obscuras. O que podemos analisar são apenas os sintomas mais visíveis que antecedem esse salto. Penso que não seria possível julgar se a causa que levou alguém a "desistir" da vida seria ou não plausível, diante do valor que nós atribuímos a ela. Segundo Camus, "Galileu, que detinha uma verdade científica importante, abjurou-a com a maior facilidade desse mundo quando ela lhe pôs a vida em perigo", talvez para Galileu a sua descoberta não valesse a sua vida, ou, podemos analisar que para Galileu abrir mão da sua descoberta não implicaria uma questão existencial que o levasse a não ver mais sentido na sua vida. Eis a questão central que permeia o tema do suicídio: o sentido da vida.

Apenas o individuo na sua subjetividade mais profunda é capaz de discernir, ou melhor, de sentir se a sua vida vale a pena ou não. Seja por que motivo for, se não houver mais motivo para continuar vivo, quem poderia impedir que alguém opte pelo suicídio? Alguns, movidos pela emoção do momento, poderiam pensar "aquele abraço que não dei, as palavras que não falei, as vezes que não pude comparecer, quando não pude ouvir, etc", mas na verdade mesmo, penso, que o suicídio é uma decisão por demais "dolorosa" para ser questionada com certa antecedência. É nesse ponto que a questão da alteridade entra.

Talvez, se não reduzíssemos as relações entre as pessoas à meras conversas em mesa de bar, ou encontros casuais, bate papos na internet com suas "redes sociais", dentre outras lacunas que fragmentam o principio da alteridade, não precisaríamos nos sentir culpados em situações como esta. A nossa sociedade é movida por motivações artificiais, por ações virtuais, por relações de comércio, pela ascensão do ter sobre o ser. É preciso pensar em um novo jeito de viver em sociedade para não nos transformarmos em uma sociedade de suicidas em potencia e em ato.

Um comentário:

Sawatani disse...

Estive, em noite completa, com o poeta, recentemente. Discutimos, conversamos etc..
Hj fui, com o Meia-Tigela, ao enterro e chegamos atrasados.
Vc tem total razão....
o poema e o texto valeram demais...
Lembro que Wittgenstein diz que "a morte não é um evento da vida". Certamente, para a lógica. Para a vida, é um evento vivo, deixa dor no mundo real e, até, incompreensão.
Saudaçoes,
do seu novo seguidor.
M.S.