sexta-feira, 27 de junho de 2008

O parto...

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"Eu sou um pássaro
Me trancam na gaiola
E esperam que eu cante como antes"

(Renato Russo)

O que é diferente dói. O que não se repete dói. O que irrompe mundo afora ressoando liberdade dói... E é infinitamente doloroso pensar a vida sem suas convenções, sem sua moralidade retardada, sem os ‘pseudo-motivos’ comuns esteticamente harmoniosos, eticamente padronizados.
Os dias vão passando e é cada vez mais comum perceber o quanto as pessoas têm medo de si mesmas; o quanto elas fogem da sua condição de possibilidades diversas. Parece-me que as pessoas têm medo de serem o que de fato são. E não obstante isso, elas também temem, se doem, pelas possibilidades alheias. E se a possibilidade é ato, é permissão... o incômodo ainda é maior, afinal, a dor ou a delícia de ser (de viver, de querer diferente) dos outros abre uma brecha para a auto-reflexão do que tem-se feito da própria vida. E na maioria das vezes, nesses casos, nem mesmo o sujeito que ‘pensa-se’ percebe o que de fato irrompe do âmago do seu ser para manifestar-se em violência, preconceito, culpa e desdém.
Receio que para todo parto existe uma dor. Receio que para o nascimento continuo da liberdade não há anestesia. O tempo não pára para que possamos contemplar o nascimento da liberdade. Mas podemos nos projetar para uma visão panorâmica dos fatos: todo tempo é tempo de transição para alguma coisa. E no que se refere à liberdade de sentir e agir diferente acredito que estamos dando à luz. E já foram, e são, e serão séculos dando à luz para essa liberdade.
A necessidade obsessiva por uma moralidade normativa faz as pessoas projetarem uma felicidade para além do mundo, da vida, da realidade. Isso acontece desde muito tempo. Essa porção mítica da vida não pode ser negada. Mas nos tempos atuais o mito que deve reger nossa postura diante da vida, em parto contínuo para a liberdade, é o mito de um mundo melhor, que mais que um além mundo, tem para nos oferecer, enquanto espécie, a abertura para realizar-se enquanto iminência projetando-se sempre para a transcendência da vontade, tão bem servida pela inteligência, caso esta não esteja impregnada pelas idéias forjadas historicamente, por uma moral que reza em virtude da mentira, da farsa, da negação das potencialidades, da negação das possibilidades; nas relações entre as pessoas, afetiva ou sexualmente; na relação com a natureza; e por fim, na relação com a subjetividade dos indivíduos e dos coletivos que regem a convivência.
Somos testemunhas e agentes dessa transmutação de valores. Somos nós quem devemos dar forma para a novidade do mundo. Somos nós que devemos arcar com as conseqüências dessa gestação.
E se além de tudo, quisermos celebrar nossos anseios, precisamos urgir em gritar aos quatro cantos do mundo que a cada um de nós, e somente a nós, cabe julgar o mérito ou o demérito das nossas escolhas e orientações. A prestação de contas pelo que vivemos, fazemos abrindo espaços para que as gerações futuras possam desfrutar do "susto" da chegada ao mundo. Desfrutar da vida como novidade diária, aberta, voluntária e destemida.
É preciso romper! É preciso gritar! Mas se não tivermos coragem de agir diferente, que o silêncio não nos traia.

Ediane Soares
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2 comentários:

ADEO disse...

nas entrelinhas surge a verdade... digo que vc está grávida do SER ENQUANTO SER.. não vou dizer o que eu estou vendo (nas entrelinhas) nem comentar o que vc escreveu na linhas. Vou esperar a coisa acontecer e quando ocorrer as entrelinhas viraram linhas e todas aquelas fugas torna-se-ão a expressão da verdade

Anônimo disse...

Eita, arrasou no texto!!!Me fez pensar e repensar num monte de coisas que eu quero gritar e me traio pelo silêncio...