quarta-feira, 13 de outubro de 2010

"I want to hold you hand"

A casa parecia grande no seu aconchego apertado e iluminado pelo sol que a invadia sem pudores pela janela da sala. Ali estavam, ela, a janela, o computador sobre as pernas, a trilha sonora daquele filme querido, a inspiração para escrever dois resumos sobre a sua pesquisa, a preguiça que ia se aconchegando, e o cafezinho quente, fraco e adocicado demais que ela havia feito sem a menor coragem e sem nenhuma pretensão de amostragem, portanto, não caprichado. Ao terminar os resumos deixou de lado seu computador (que ela desejava que fosse uma máquina de escrever, daquelas mais arcaicas, que ela nunca pode ver), esticou-se no puff vermelho em forma de gota, viajou na canção "i want to hold you hand, i want to hold you hand..." até aquele instante não tivera tempo de sobra o bastante para fazê-la pensar em saudade, em vaidade, em recusa, em covardias. Mas saudades de quê ela sentiria? Vaidade de quem? Recusa por quê? Covardias por quem? A última frase que ecoava aos ouvidos, proferida por uma amiga há umas três ou quatro noites atrás, quando decidira fugir de vez de seu intento... era uma pergunta sutil: "- e se a outra fosse de fato uma segunda opção?". Durante os dias depois da pergunta, não se deixou abalar pela dúvida, não permitiu uma brecha mínima que fosse para qualquer perturbação.

Tinha saído apenas uma vez depois da última notícia recebida. Tinha perdido o telefone celular, e ficado sem ele, relativamente, durante oito dias. O acesso a internet tinha se resumido aos seus trabalhos e afazeres mais urgentes. Mas justamente agora, quando consigo mesma pensava, vinha à tona toda a percepção do seu sentimento. Não haviam perdas. Não haviam novidades. Não haveria verdade, persuadiu-se com esse pensamento, roeu. Mas ainda havia poesia. Que falava de um amor tão pretenso e indefinido (que ela havia recusado com todas as suas forças a elevá-lo ao seu máximo querer, e que, no entanto, a ultrapassava naquele exato momento deixando-a abaixo das suas expectativas de um fim). Embora agora parecesse seguir sem maiores vestígios de revolta ou cicatrizes, seu pensamento era da ausência, sua inspiração era da lembrança do contorno dos ombros, sua imaginação mais delicada e serena era do desenho desfocado do cabelo preso, com o "rabo de cavalo" mais perfeito, que a tinha acompanhado durante todos os dias de tão pessoal e intocada (agora transtornada) paixão.

Sim. Há poesias ainda pairando no ar. Ama com a força do pensamento, deseja com a intensidade da vontade de esquecer, esquece tal como um vento suave é capaz de elevar toneladas de cobre à milhões de metros de altura ad infinitum e fragmenta como a divisão de um átomo e a sua possibilidade de ser tocado pelas mãos. 

Adormeceu e sonhou... ouvindo a canção que insistia em tocar, embalar, ressentir:  

"i want to hold you hand, i want to hold you hand…”

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