terça-feira, 24 de agosto de 2010

"Você (não) tem medo de mim"

- Sabe aquelas frases que às vezes você ouve (lê) e que ficam martelando, martelando, martelando... Até você concluir que elas dizem tanto que poderiam ser omitidas? Pois é...

Ela acordou cedo. Caminhou em volta do prédio. Na nova temporária-casa não tinha uma pracinha próxima que fosse tão agradável de caminhar como a da antiga casa-temporária que agora estava em outro bairro e vazia.

Tentava se acostumar com os novos aposentos. Ela tinha a leve impressão de que de repente muitas coisas mudavam radicalmente. Da raiz mesmo. E que não havia um retorno, ou dois, ou três... que servissem de atalho, labirinto, curva, vão.

Não era bem a vida que ela escolhera para si, mas era a vida que a tinha escolhido para viver-se. Não estava triste ou feliz. Não havia um estado concreto de espírito ou de alma. Sequer havia sentido em seu corpo. Sequer havia um corpo. Mais tarde ela pensaria sobre isso e concluiria algo sobre seus afetos, o trabalho e as porcarias que vinha consumindo sem raciocínio lógico, sem defeito.

Voltou para casa. Depois de um longo banho escolheu a roupa mais leve que encontrou no emaranhado de roupas do seu armário cheio de roupas inúteis e pesadas. Às vezes quando as vestia sentia-se vazia. Não era o caso. Ela agora sentia-se leve. Suave e leve feito pluma. Leve demais. Uma espuma...

Quando anoiteceu naquele mesmo dia. Ela sentia uma ansiedade imensa. Decidiu sair em busca de uma companhia, para assistir uma banda qualquer, em um festival qualquer... não importava a música, mas a musicalização que dela fluía. Pedia uma noite vadia, sem nenhuma intenção, sem nostalgias. Uma noite. Uma vadia.

Quando da companhia encontrada e na segunda cerveja comprada eis que de algum lugar, obscuro ou não, apareceu o vulto que a consumia. O ego. A paixão. A elegia. Efêmero e aparentemente sereno... O vulto falou (feito sopro ao ouvido "você tem medo de mim?"), deu um beijo no rosto e partiu. Ela sorriu. Porque desde as últimas, pelo menos, 15 ou 20 vezes que resolvera sair pela noite a fora e “pelo acaso tangida” intentava encontrar o absurdo. Mas daquela vez não. O destino, de fato, havia pregado uma peça, e ela que já resolvera esquecer, recordou, e foi como se papel, agulha, cola, capa, acabamento e costura, formassem a partitura musical mais perfeita. Eram as mais destoantes displicentes notas. E ela que até então não esqueceria, engoliu a cerveja e não objetou nada que pudesse lembrar seu conflito (silêncio-reflexão).

- Essa cidade é pequena demais para se surpreender com o destino.

A Adriana Calcanhotto a embalou pelo resto da noite, já em casa. De "dedicada a ela" a canção se voltou a favor dela... Contra aquele ego que a perseguia... Contra o contra-senso da sua paixão de novo-antigo-curto-demorado-amor. A favor da sua ataraxia. A impertubabilidade da alma era a sua guia. Dormiu.


"Você não tem medo de mim / você não tem medo de mim / você tem medo é do amor / que você guarda para mim / você não tem medo de mim / você não tem medo de mim / você tem medo de você / você tem medo de querer... me amar!"

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