quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Sobre o silêncio das palavras (objeções)

“O discurso manifesto não passaria, afinal de contas, da presença repressiva do que ele diz; e esse não-dito seria um vazio minando, do interior, tudo o que ele diz.”*

E por isso me calo. E olha que se tem uma coisa que eu faço em excesso é falar. Mas falo quase sempre o que não importa aos meus ouvidos. Ouvir-me dizer o que escolho dizer, mesmo que em excesso, é um alívio e um elogio à minha silenciosidade.

Calo-me e não tento de maneira alguma entender o que vem a ser o silêncio. Pois calo como quem por extenso transcreve os infinitos números que marcam as páginas de um livro sobre uma história sem fim. O meu silêncio não almeja sentido, não pretende ser claro, não quer vestir-se de retórica, ás vezes até recai sobre ele algumas bonitas palavras, mas não é isso que dele perfaz o destino. E não silencio apenas com a ausência de palavras. Silencio tagarelamente, com frases que podem até fazer bastante sentido, e o fazem, mas que no entanto não passam de frases.

Na verdade mesmo, e nisso eu concordo plenamente com o Foucault, o que de fato importa é o vazio que "mina" palavra por palavra, e a intenção que porventura elas venham a ter ou a falta mesmo de intenção que elas tenham. E é justamente esse o caso: a falta de intenção das palavras ditas ou a intenção de silenciar. Existe uma linha tênue, quase invisível, entre as duas questões. É fato que "não ter intenção ao falar" e "ter a intenção de silenciar quando se fala" são questões bem distintas, porém em se tratando do vazio que emerge da mais profunda subjetividade, ou do que alguns chamam de interioridade, podemos dizer que se trata praticamente da mesma coisa.

Mesmo porque não ter intenção alguma ao falar é algo pouco aceitável e realizável. Afinal, a fala em si já é uma ação, que, mesmo não tendo uma intenção prévia que postule uma conseqüência imediata, requer certa articulação, mesmo que muito rápida e até mesmo imperceptível, de idéias antes de converter-se em som, em fala e, inevitavelmente, causar alguma reação, mesmo que a reação seja a indiferença.

Agora, ter a intenção consciente de "calar ao falar" é algo bem mais aceitável e compreensível. E é um ótimo exercício para a prática da dissimulação. Não se trata, necessariamente, de sair por aí contando mentiras ou inventando histórias. Na verdade é apenas a articulação da criatividade, no uso das palavras e na omissão sutil de fatos. A idéia é dizer o que se quer dizer, para quem se quer dizer, só que de maneira mascarada, com sinônimos amenizados e rodeando o quanto puder.

Acabo de concluir que essa prática não é nenhuma grande descoberta e que na verdade o que eu queria dizer é que tenho feito isso invariáveis vezes e que, no entanto, tenho a incomoda sensação de que poderia, algumas dessas várias vezes, ter dito de maneira clara e objetiva o que eu de fato queria dizer...

Deve-se ponderar bem antes de silenciar o que se quer falar, ou melhor, ás vezes é melhor falar alto antes de pensar.

Obs.: Contudo, com esse texto sem pé nem cabeça, explico (tento) o que eu queria dizer: "A cabeça da gente ás vezes atrapalha né?! A minha atrapalha sempre..." (Conversa de Skype)
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* (FOUCAULT, Michel. in Arqueologia do Saber p. 28)

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