terça-feira, 8 de julho de 2008

Natureza e Criação

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Natureza e Criação: resgate do "Paraíso" em plena crise ambiental.


Somos água. Somos tempo. Somos átomo.
Somos a terra. Somos os povos. Somos a vida.
Somos a dívida para com o futuro.
Somos o futuro que já nasceu endividado.

Por Ediane Soares

Segundo alguns pensadores antigos, como Aristóteles, a vida é um todo hierarquizado, onde a natureza é o conjunto dos fragmentos que a compõe. Nessa visão hierárquica da natureza, estaria o ser humano na escala mais próxima ao absoluto (motor imóvel ou causa primeira, para o Filósofo) por ser dotado de racionalidade. É certo que essa visão já foi ha muito ultrapassada. Não só porque carece de fundamentos consistentes, mas porque os fatos nos fazem perceber que se trata de algo bem mais complexo.

Durante muito tempo a visão que se foi difundindo da relação natureza-homem era de subserviência dos recursos naturais para o desfrute dos 'seres racionais'. Essa práxis¹ gerou uma relação de violência que acarretou no que chamamos hoje de 'crise ambiental'.

A 'necessidade metafísica'², atribuída aos seres humanos, pode ser o ponto de partida para uma visão cosmológica da natureza. Essa necessidade expressa-se historicamente de várias formas, uma delas, e diria até, uma das mais significativas delas é a religiosidade ou espiritualidade. Essa capacidade de projetar, idealizar, pensar em algo além-vida, marca profundamente a subjetividade das pessoas, logo também o trato com a natureza.

Algumas religiões, especificamente as cristãs, têm como ponto de partida para a sua teologia o Gênesis, que é a narrativa bíblica da criação do mundo. Essa narrativa coloca o homem como sendo parte da criação, porém, sendo responsável por cultivar e guardar o que foi criado por Deus. Pela lógica, naturalmente, seria esse o grande papel dado por Deus aos seres humanos: compartilhar a vida com a natureza.

"Javé Deus tomou o homem
e o colocou no jardim do Éden,
para que o cultivasse e guardasse"
(Gn 2, 15)

O momento em que estamos situados é marcado pelo avanço das tecnologias, onde a máquina toma cada vez mais espaços e a relação entre as pessoas se torna cada vez mais superficial. Além disso, marcados pelo consumismo exacerbado, aspecto singular do sistema capitalista, as pessoas estão cada vez mais egocêntricas e individualistas.

As religiões nesse contexto adquirem um papel meramente de "fármaco"³ para as angústias e frustrações pessoais, raramente assumindo o papel de formadora de seres humanos conscientes. Sendo assim urge que as religiões, filhas da idéia ‘criacionista’ do mundo, que se auto-denominam representantes de Deus na terra resgatem esse cuidado, esse papel que nos foi atribuído.

A idéia de vida eterna, de paraíso após a morte que tanto é difundida pelas religiões cristãs, que é assimilada pelos crentes dessas religiões pela necessidade que têm de projetar algo além da vida, poderia fomentar o resgate do paraíso primeiro, aquele do Gênesis, que perdemos de vista depois de tanto olhar para o desconhecido que projetamos na pós-morte.

Esse ‘paraíso’ tão sonhado pela cristandade é a própria Terra que hoje clama pela vida. É a terra das desigualdades sociais, do consumismo inconsciente, de tantas guerras, de tantos pré-conceitos.

Não podemos recriar o ‘paraíso’, mas podemos transformar a realidade com a qual nos deparamos atualmente, seja enquanto indivíduos, como coletivos pelo meio ambiente, ou como parte integrante do meio natural. O que não podemos é tentar viver em função do que está para além da nossa realidade atual desconsiderando que a transcendência que nos garante maior aprendizado é aquela que se faz para transformar ou garantir o que nos é iminente, o que nos já é dado cotidianamente.

Que a nossa necessidade metafísica garanta as nossas utopias, mas que não nos faça fechar os olhos para a vida e para a realidade que nos rodeia e envolve.





¹ Relação entre teoria e prática.
² Ver: SCHOPENHAUER, Arthur. A Necessidade Metafísica, Ed. Itatiaia, Belo Horizonte - MG, Brasil. 1960.
"Por Metafísica entendo toda pretensão a conhecimento que busque ultrapassar o campo da experiência possível..." (Schopenhauer)
³ Do grego phármakon quer dizer veneno ou remédio, de acordo com a dosagem pode ser um ou outro.

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Um comentário:

Anônimo disse...

Ô menina danada!Parabéns linda!
Cada dia mais lúcida... rsrs

Beijo,

Luccio.